Cuidar de mim é o primeiro passo para melhor cuidar dos outros
Cuidar pode traduzir-se na atenção ao outro, na empatia pelas suas necessidades, na promoção do seu bem-estar, dar de si, partilhar, interdepender. Assenta no amor ao próximo, em querer o seu bem e contribuir para o mesmo, através da doação da sua vida, do seu tempo, dos seus recursos.
Há, desde cedo, na educação, um grande foco em treinar o altruísmo, a empatia, a solidariedade, a entreajuda. Indubitavelmente, valores essenciais para uma vida comunitária harmoniosa e pacífica.
Estes valores contrapõem-se ao egoísmo, pelo que também desde cedo, talvez até cedo demais, são assinalados de imediato quaisquer vestígios de egoísmo na criança, ainda que possam ser perfeitamente naturais para a sua idade, e até estruturantes para a construção de uma autoestima saudável.
A atitude de amarmos os outros, como a nós próprios, deveria refletir nos outros o mesmo cuidado, respeito e compaixão que temos por nós próprios.
Assim, na infância, é necessário encher o reservatório de afeto para, posteriormente, poder dar ao outro. Se este reservatório fica incompleto, pode originar uma carência, que o indivíduo vai procurar completar durante toda a vida, através das relações que estabelece, numa atitude de extração e não de doação (ainda que assim possa parecer).
É importante validar as características individuais da criança, os seus objetos, as suas vontades. Desse modo, estamos a apoiar a construção da sua individualidade, ou seja, a fazê-la entender que é um Ser separado dos outros, único.
Para Andrew Samuels, Bani Shorter e Fred Plaut (1988), no Dicionário Crítico de Análise Jungiana (1988), individuação é um processo que possibilita que a pessoa se torne inteira, indivisível e distinta de outras pessoas ou da psique coletiva.
Este processo é vital para a construção saudável da personalidade e das relações. Quanto melhor nos conhecermos, e quanto mais gostarmos de nós, melhor compreenderemos os outros e mais empatia seremos capazes de sentir.
Se não estamos bem, se não desenvolvemos o autocuidado, o respeito e a compaixão por nós próprios, poderá existir a tendência para nos focarmos nessa carência e não estarmos totalmente disponíveis para o outro.
Se nos preocupamos mais com os outros do que connosco, já introduzimos um desequilíbrio que, reiterado, poderá contribuir para relacionamentos pouco saudáveis e, em último caso, para a doença.
Quando o nosso foco é colocado, quase exclusivamente, nas necessidades do outro e, qualquer ato a favor de si próprio é catalogado como egoísmo, abre-se caminho para um afastamento da nossa essência, de quem realmente somos, do que precisamos para estar bem.
Cuidar do outro a partir da carência ou da suficiência é completamente diferente:
- eu cuido do outro para que me validem como uma boa pessoa, para que seja aceite e amada, abdicando de ser quem realmente sou para viver um papel que desempenho, de modo a corresponder às expectativas, ou;
- cuido do outro, a partir da minha essência, respeitando quem sou, o que posso e quero dar, nutrindo as minhas necessidades e vendo-me como uma pessoa igual e tão importante como a que cuido, relacionando-me com autenticidade e autoconhecimento. E assim, desenvolvo verdadeira empatia pelas fragilidades do outro, num ato verdadeiramente generoso e oblativo.
Desafio quem lê a fazer este exercício de autorreflexão:
- Cuidas tão bem de ti como aconselhas os outros a cuidarem-se?
- Preocupas-te tanto com o teu bem-estar, como com o bem-estar dos outros?
- Fazes o que dizes? Praticas o que aconselhas? És coerente? O exemplo é a maior influência. A forma como fazemos as coisas é tão importante como as coisas que fazemos.
- Qual a tua energia ao cuidar dos outros?
- É com alegria, gratidão, satisfação?
- Ou é com peso, cansaço, obrigação, ressentimento? E talvez, para além de sentires tudo isto, ainda te forças a ter um sorriso na cara, mais uma vez a negligenciares as tuas necessidades, e a convenceres-te de que está tudo bem e a culpares-te pela forma como te sentes, certo?
Para terminar, deixo algumas necessidades a suprir nos cuidadores:
- Gestão emocional associada ao processo de cuidar;
- Gestão de expectativas;
- Gestão de relações familiares, sociais e laborais;
- Gozo de períodos de lazer e de descanso;
- Aumento do suporte familiar.
Segundo a Lei da Reciprocidade, é dando que se recebe! Mas para dares, também tens de ter. Ninguém dá o que não tem. Não podes querer regar jardins a colher gotas.
Patrícia Alves Pereira é psicóloga clínica, facilitadora de eneagrama com especialização em relacionamentos e voluntária no Gabinete de Escuta.
Contactos: Tel.: 964 400 675
Artigo publicado no site 7Margens – https://setemargens.com/cuidar-de-mim-e-o-primeiro-passo-para-melhor-cuidar-dos-outros/