Fernando Sampaio. “O nosso sofrimento só nos mete pavor quando é absurdo”
Em 1986 respondeu à chamada para ser capelão hospitalar do IPO de Lisboa e nove anos depois vestiria a bata no Santa Maria. Passaram 33 anos de uma vida dedicada ao acompanhamento espiritual nos hospitais, ao lado do sofrimento e da reconciliação com a vida e com a fé. Conversámos com Fernando Sampaio, coordenador nacional das capelanias hospitalares e capelão hospitalar do Centro Hospitalar Lisboa Norte, que além do Santa Maria integra o Hospital Pulido Valente e que esta semana acolheu uma conferência sobre cuidados de saúde e espiritualidade, num ano em que se celebra uma década da lei que em 2009 reconheceu a assistência espiritual e religiosa no SNS como uma “necessidade essencial” dos doentes. Está no papel, mas ainda não chega a todos, diz. Numa altura em que a eutanásia está de novo em debate no Parlamento, receia que o direito de pedir a morte se torne uma obrigação numa sociedade onde o fim de vida é tabu e o acompanhamento e os cuidados paliativos são insuficientes.
Anda de bata no hospital. Foi assim desde o início, para se misturar com os outros cuidadores?
Sim, foi. Primeiro, nos nove anos no IPO, que foi onde comecei em 1986, nem um ano depois da minha ordenação.
Porque o mandaram para lá?
Foi por acaso. Era necessário substituir o capelão. Na altura, o coordenador era o padre Feytor Pinto, que perguntou se estaria alguém disponível para uma capelania, e eu respondi.
Tinha que idade?
29 anos.
E já estava cá em Lisboa?
Sou de Felgueiras. Entrei no seminário de uma ordem religiosa, a Congregação da Missão dos padres de São Vicente de Paulo. Comecei o curso de Teologia no Porto e vim para Lisboa no terceiro ano, depois fiquei por cá. Tive dois anos de pausa antes de ser ordenado.
Imaginou que iria para uma paróquia…
Sim, o normal seria ir para uma paróquia ou então para missões – tínhamos várias comunidades em Moçambique, era uma possibilidade. Mas depois surgiu o IPO.
Que imagens guarda desse primeiro contacto com o hospital? Era um ambiente que conhecia?
Tinha tido algumas experiências de ir ao hospital, de visitar doentes, amigos. Sempre me meteu muito respeito. O sofrimento mete sempre muito respeito. Para mim, as pessoas que mais respeito me metem são aquelas em que o sofrimento é mais dramático, que por vezes vejo até inconscientes. Torcem-me o coração, não no sentido de perguntar porquê tanto sofrimento, mas de perguntar o que posso fazer para aliviar um pouco, ajudar aquela pessoa, estar com ela. É isso que me move.
No IPO, sendo o cancro uma doença grave, nunca pensou na injustiça, nunca se revoltou contra Deus?
Não. Foi uma questão que tive sempre de elaborar dentro de mim. Naturalmente, ouvia isso das pessoas muitas vezes, mas o meu sentimento não era esse. A razão das coisas não está aí. Temos sempre de encontrar uma razão para as coisas e a minha relação com Deus, desde criança, era muito bonita. Nunca tive a noção de Deus castigador, sempre tive a noção de Deus-amor. O modo como a minha mãe me transmitiu a fé era esse.
Pouco habitual à época?
Sim, era, mas o modo como ela falava sobre Deus, sobre os santos, sobre padres, a alegria com que o fazia, sempre me transmitiu esse Deus-amor e, portanto, para mim, a doença não era um castigo de Deus, por isso tinha de encontrar a resposta. E encontrei posteriormente.
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