Uma ideia sobre “Relação de Ajuda”

Set 8, 2024

Os voluntários do GEscuta (Gabinete de Escuta) usam, nos seus encontros de escuta, o método e a técnica de “Relação de Ajuda”. De que se trata?

No quotidiano das nossas vidas, quando alguém nos aborda para conversar sobre uma determinada dificuldade pessoal, facilmente nos prontificarmos em ajudar, começando por escutar, mas logo começamos a sugerir soluções e, por vezes, a impor caminhos. Esses modelos relacionais espontâneos, adquiridos pela educação, de natureza paternalista ou autoritária, não são, geralmente, respeitadores da pessoa nem promovem as suas capacidades. Pelo contrário, frequentemente infantilizam e chegam a aumentar o sofrimento.

A Relação de Ajuda (RA) de que falamos é um inusual e peculiar modelo de relação e comunicação fundado na psicologia humanista, nomeadamente nos estudos de Carl Rogers e Robert Carkhuff, e que recorre, ainda, a técnicas psicoterapêuticas e de counselling. Necessita de ser aprofundadamente estudado e cuidadosamente aprendido e treinado. Enquanto estilo de relação, a RA é rica em compreensão empática e centrada na pessoa, olhando-a de forma holística. Valoriza as suas capacidades para enfrentar os próprios conflitos e conduzir o seu próprio desenvolvimento. Como modo de comunicação, implica a aquisição de um conjunto de aptidões que se devem transformar numa arte prática de comunicar que facilite o desenvolvimento das capacidades escondidas e bloqueadas. Desta forma, a RA, enquanto método de escuta e de acompanhamento de pessoas em sofrimento emocional, permite tornar o sofrimento mais suportável e pode abrir portas à sua superação através da possibilidade de o drenar, dizendo-o e partilhando-o num espaço relacional acolhedor, compreensivo, seguro, confiável e confidencial.

A RA funda-se nos três conceitos rogerianos: empatia, consideração positiva ou aceitação incondicional e autenticidade. A atitude de empatia daquele que escuta desperta no escutado um profundo sentimento de ser compreendido, isto é, de ser acolhido em seu significado interior, em sua experiência emocional interna, na sua verdade existencial, segundo o seu ponto de vista. Mas esta compreensão da sua vivência implica ainda a capacidade de a comunicar numa linguagem adequada aos seus sentimentos e sua verdade. A empatia pede a companhia da atitude de consideração positiva ou aceitação incondicional, podendo também falar-se de respeito ou de estima, dando conta de uma atitude de acolhimento, profundo respeito, valorização positiva pelo outro, sem condições prévias, julgamentos ou preconceitos face às suas capacidades ou fragilidades. A empatia pede ainda, da parte daquele que escuta, a atitude e capacidade de ser autêntico, genuíno, coerente, confiável, verdadeiro na relação.

A escuta é uma parte essencial do processo de ajuda. Foto © Priscilla Du Preez | Unsplash

Não é possível a compreensão empática sem a escuta ativa. Defende o psicanalista Joan Coderch que a empatia é uma escuta a partir de dentro da mente do paciente, tornando possível um intenso diálogo intersubjetivo e um respeito genuíno pela pessoa do outro. Leva a pessoa que escuta a descentrar-se de si e a centrar-se ativamente na pessoa escutada, nas suas necessidades, seguindo uma perspetiva holística e não o seu problema. Na escuta se fundam, pois, todas as respostas geradoras de ajuda. Mais: a própria escuta tem em si funções terapêuticas, é já uma ajuda, pois permite drenar a dor e o desconforto interior, abrindo as portas à possibilidade de cura interior.

Escutar de forma ativa é muito mais do que ouvir sons ou ruídos. Exige os olhos, a observação da linguagem paraverbal. Dá conta de um processo de descodificação e interpretação das mensagens verbais e suas componentes emocionais. Significa prestar atenção “polifónica” ao discurso verbal e suas flexões, às entrelinhas e emoções, ao que é dito e ao que fica por dizer, conduzindo ao interior da pessoa, ao seu espaço mais sagrado.

A escuta ativa conduz à resposta empática, a uma nova comunicação que transmite compreensão verdadeira. Esta consiste em reformular a mensagem escutada, isto é, em devolver por palavras suas a mensagem e o fundo emocional emitido pela pessoa escutada. Aquele que escuta deve colocar-se entre parêntesis, isto é, silenciar-se para estar cognitiva e emocionalmente disponível para o outro, como companheiro, na exploração do seu mundo interno. A resposta empática, apesar de parecer simples, não é evidente nem imediata. Exige saber e atenção aos conteúdos e aos significados dados pelo doente às suas vivências para os devolver. À reformulação, podem acrescentar-se outras respostas mais complexas, como a personalização, a confrontação e o iniciar.

Pode concluir-se dizendo que a RA é um saber (uma teoria) que implica um saber ser (novas capacidades relacionais) e deve transforma-se num saber fazer (novas competências comunicacionais). De nada serve uma boa teoria se não puder ser usada na prática, tornando-se fator de transformação e cura. A pessoa que escuta necessita, pois, de conhecer a teoria, de se converter à empatia, e de saber usar as técnicas de comunicação de forma adequada para acompanhar a pessoa que pede ajuda, fazendo-a sentir-se valorizada, compreendida e estimulada a superar as suas dificuldades e encontrar a sua cura interior.

 

Fernando Sampaio é padre católico e capelão hospitalar, membro do GEscuta.

Contacto: 964400675

Artigo publicado no site 7Margens – https://setemargens.com/uma-ideia-sobre-relacao-de-ajuda/